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A Ilha de Jorge Grego

 

"A felicidade é um intervalo do sofrimento."

Essa frase me acompanhou durante três anos, nos anos 50. Foi grafitada na parede da minha cela, por algum antigo "inquilino". Três longos anos cumprindo pena por assalto no presídio da Ilha Grande, o Instituto Penal Cândido Mendes. Ah, desculpe, esqueci de me apresentar: Lucas. 199 anos de vida, quase todos bem vividos.

Todo dia, ao acordar, me deparava com aquela frase. Num presídio já é difícil acordar de bom humor, ainda mais com essa mensagem toda manhã.

"Zeca Tiroteio" era o ridículo apelido de meu colega de cela. Não havia afinidade entre nós, só o suficiente para bolarmos um plano de fuga. Não era um primor de originalidade: eu e Zeca Tiroteio cavaríamos um túnel para fora do presídio. No meio das escavações, porém, fomos descobertos por um vigia. Se fomos denunciados? Que nada: o vigia deu seu preço para viabilizar uma fuga menos cansativa...

No dia X, Zeca e eu saímos disfarçados pela porta da frente, graças às manobras do vigia. Os detalhes não vêm ao caso. À nossa espera, na praia de Dois Rios, estava uma lancha. Partimos os dois sem problemas.

"Sem problemas", mas só por pouco tempo. Caiu uma forte tempestade na hora da fuga. O mar estava agitado o suficiente para, durante o trajeto, puxar Zeca Tiroteio para a água e esmagá-lo contra as pedras.

A partir de então, eu estava só e desesperado. Vi uma ilhota, e resolvi ficar ali, por segurança. Nisso, a lancha se foi, e eu me vi sozinho em um lugar desconhecido. Mais tarde, vim saber que a ilha fora batizada de "Jorge Grego", e, depois de mais um tempo, o porquê deste nome.

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Duas semanas se passaram, nas quais eu vivi como um selvagem. Colhia frutas e pescava um peixe ou outro. Era muito melhor que a comida do presídio, mas eu não queria passar toda a vida ali. Sem a lancha, eu novamente precisava de um plano de fuga.

Lá estava eu, em uma ilhota no litoral sul do Rio de Janeiro, isolado de tudo e de todos. "A felicidade é um intervalo do sofrimento.". Bem, essas minhas "férias", de certa forma, foram um intervalo da minha pena. Vai ver, essa frase tem fundamento...

Um dia, porém, minha paz terminou. De modo bem bizarro. Até começou bem: eu estava pescando, quando ouvi vozes de duas mulheres, não muito longe dali. Pensei estar louco, e talvez estivesse mesmo. Talvez o... "jejum sexual" do presídio estivesse me fazendo delirar!... Fui procurar as donas das vozes, e andei um longo trecho, sem sucesso. Já havia desistido quando vi, diante de mim, uma cena insólita: duas mulheres - as donas das vozes - eram molestadas por um homem, todos com roupas em estado precário. Do nada, surgia outro homem, que matava o primeiro atravessando-lhe uma espada. Daí, sumiram todos da minha frente, voltando a me deixar sozinho na ilha. Desnecessário dizer que não entendi nada...

A cena se repetiu mais quatro vezes na outra semana. Uma quinta "sessão" foi interrompida bruscamente, com a chegada da polícia. Fui descoberto, mas estava tão atônito com aquelas aparições que nem liguei muito.

Lá estava eu, cumprindo o resto dos meus três anos de pena. Faltavam dois meses para ser solto, quando ouvi uma história interessante. Tião, um dos presos, contou-me a lenda de um pirata, quem deu nome àquela ilhota: simplesmente o tal Jorge Grego.

De um naufrágio no séc. XVI só escaparam o pirata Jorge Grego, suas duas filhas e um marinheiro. Viveram anos naquela ilhazinha, onde as meninas cresceram enquanto o marinheiro era feito de escravo. Apesar disso, este se apaixonou por uma das garotas, despertando a ira do pirata. Jorge Grego o matou, e tornou-se amante das próprias filhas. A Justiça Divina, porém, se manifestou, provocando uma tempestade que mataria as duas mulheres, destruindo também todas as plantações da ilha. Jorge, já louco, vagou pela ilha até morrer de fome.

Fiquei impressionado, não nego, mas o que eram realmente aquelas imagens? Fantasmas? Projeções? Alucinações?

O Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, foi demolido em 1994. Sobraram apenas algumas paredes, ruínas que atraem turistas de todo o país. Numa dessas paredes lê-se uma frase: "A felicid..." Ah, deixa pra lá.